Bento XVI não superou o João Paulo II


E o Papa Bento XVI renunciou. Melhor assim. Muita gente, no fundo, tem o mesmo pensamento, apenas, para fugir as reações emotivas, não verbaliza. Não sou católico, faço questão de esclarecer, mas fui criado no catolicismo. Pelo que vivenciei no seio religioso-familiar, a compreensão sobre o papel de um Papa vai muito além e apenas comandar (ou vai lá, orientar) o catolicismo no mundo. Conduzir o rebanho à salvação.

O Papa deve ser reflexo de um tempo. E nesse curto tempo do papado de Bento XVI, nossas lembranças ainda estão voltadas para o carismático João Paulo II, sem entrar no mérito de sua postura retrógrada e conservadora sobre inúmeros temas, entre os quais o reconhecimento aos direitos dos gays, a discussão sobre o papel das mulheres na igreja e o celibato de padres e freiras.

 Talvez, pela sobrevivência do carisma de João Paulo XXI mesmo após sua morte e eleição do sucessor, a instituição Católica atue tão delicadamente no processo de renuncia de Bento XVI. A Igreja pisa em ovos, porque agora precisa de um líder que seja o reflexo de um momento que exige mudanças, por isso, o próximo papa terá que ser alguém que expresse com clareza seus apontamentos para o futuro.

João Paulo II passou por grandes acontecimentos históricos. Soube passar imaculadamente por momentos políticos importantes nas décadas de seu papado, conseguindo (guardadas as devidas proporções), manter o catolicismo forte. Foi uma década de baixa no número de fiéis, que trocaram o catolicismo pela promessa de prosperidade e cura de seitas evangélicas.  Mas a igreja mostrou-se politicamente forte, ao vencer o comunismo na Polônia e contribuir para a derrocada do marxismo no Leste Europeu.

Com todo seu conservadorismo encorpado, Karol Woytila passou pela história com a fama de Papa Pop. Consolidou esta imagem até mesmo no Rio de Janeiro, a Babilônia brasileira. Numa das visitas à cidade seduziu a os cariocas com a frase: “Se Deus é brasileiro, o Papa é carioca”. Uma tirada que não é para um Papa qualquer, somente para um Papa que tem uma grande percepção do poder do marketing. O papa polonês era um reacionário convicto, mas um marqueteiro de primeira.

 Carisma, opiniões firmes, adequação da igreja a modernização da liturgia e resistências aos temas mais polêmicos sempre definiram a imagem deste pontífice. Não foi assim com Bento XVI. Seu pontificado foi apenas correto. A própria mídia teve dificuldades de moldar a imagem de Joseph Ratzinger no papel de sucessor de São Pedro.

A renuncia de um Papa é sempre um enigma que desperta as mais variadas teses conspiratórias. Após a saída de Bento XVI eles irão sobreviver. Deve render bons livros e filmes. O episódio inquestionavelmente terá o poder de resgatar aquilo que a Igreja Católica prefere ocultar dos católicos: a realidade acima do sagrado. Lembrar que o Catolicismo tem suas políticas internas, articulações e interesses pessoais expressam a constatação de que a eleição de um Papa exige concessões profanas. O processo de escolha do sucessor de São Pedro passa por interesses econômicos (o Banco do Vaticano é uma instituição imersa em escândalos) e políticos, levando muitos católicos a questionarem o verdadeiro papel da instituição. Isso até que um novo Papa Pop chegue ao torno e seduza com frases de efeito e gestos, como beijar o chão de todos os países em que chegar como visitante, como fazia João Paulo II.  Não critico o Cristianismo, até porque considero algo admirável em seus verdadeiros fundamentos, só que seus executores que comandam a Santa Madre Igreja, realizaram coisas deploráveis na busca pelo poder. A história não mente.

Bento XVI é o quarto Pontífice a renunciar. Antes dele, Gregório XII renunciou ao cargo, durante o Cisma do Ocidente. Na época, dois Pontífices se auto intitulavam Papa e sua renúncia resolveu o dilemma durante um Concílio. Celestino V foi o Segundo, deixando o cargo apenas quatro meses depois de empossado. Por razões políticas e econômicas. O primeiro a renunciar foi Ponciano, no ano de 235. Exilado por um imperador romano foi sucedido por Antero, para que os fiéis não ficassem sem um líder.

A Igreja, ainda é uma instituição forte, mas vem perdendo fiéis. Manter este poder requer, em um mundo assutadoramente conectado e opinativo, uma reestruturação. Palava que o próprio Bento XVI revelou em seu último encontro com os bispos do Vaticano. Talvez tenha sido esta a grande contribuição de seu pontificado: Sair de cena e admitir que o momento é de mudanças.

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